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Title: Inscripções portuguezas
Author: Cordeiro, Luciano, 1844-1900
Language: Portuguese
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produced from images generously made available by National
Library of Portugal (Biblioteca Nacional de Portugal).)



VESPERAS DO CENTENARIO

DA

INDIA



Inscripções Portuguezas

POR

LUCIANO CORDEIRO



_Fiel guarda da memoria é a escripta, porque renova as cousas antigas,
confirma as novas, conserva as confirmadas e representa as conservadas
para que as noticias d'ellas se não entreguem ao esquecimento dos
vindouros._

(N'um diploma de doação de Affonso Henriques ao Mestre Galdino
Paes.--Trad.)



LISBOA

IMPRENSA NACIONAL

1895



INSCRIPÇÕES PORTUGUEZAS



VESPERAS DO CENTENARIO

DA

INDIA



Inscripções Portuguezas

POR

LUCIANO CORDEIRO



_Fiel guarda da memoria é a escripta, porque renova as cousas antigas,
confirma as novas, conserva as confirmadas e representa as conservadas
para que as noticias d'ellas se não entreguem ao esquecimento dos
vindouros._

(N'um diploma de doação de Affonso Henriques ao Mestre Galdino
Paes.--Trad.)



LISBOA

IMPRENSA NACIONAL

1895



A

Gomes de Brito



INSCRIPÇÕES PORTUGUEZAS

1.^a SERIE

(EXTRAHIDA DA _ARTE PORTUGUEZA_)



É claro que os seguintes apontamentos, desordenadamente colhidos e
reunidos, não têem a menor pretenção a iniciar um _Corpo de inscripções
portuguezas_, que, aliás, era tempo de começar-se.

Estas notas dispersas, que a piedade domestica, a prosapia genealogica,
a vaidade individual, o culto civico escreveu na pedra ou no bronze dos
monumentos ou das campas, têem, sob varios aspectos, um irrecusavel
interesse critico, alem de que são, frequentemente, verdadeiras e
importantes revelações históricas.

Parecerá até impertinencia querer demonstrar, ainda, a utilidade da sua
colheita e registo.

Ora, todos os dias ruem os monumentos e vão-se apagando e desapparecendo
as legendas tumulares, por esse paiz fóra.

É, comtudo, tão facil, tão agradavel passatempo, até, conserval-as!

Nas minhas excursões provincianas, tenho consagrado ao _calco_,--ao
modesto e singelissimo calco a papel, agua e escova,--a dedicação de uma
propaganda importuna e teimosa, e é ainda a idéa de reforçar essa
propaganda pela lição directa da sua razão e utilidade, que me
determinou a ir publicando os primeiros resultados,--embora pequenos,
valiosos.

Pareceu-me, porém, não dever limitar-me a reunir, apenas, as inscripções
agora directamente colhidas, e, menos ainda, sómente as que podessem
considerar-se ineditas.

Alem de que algumas, publicadas de ha muito, precisam e poderam ser
corrigidas por um novo exame, o successivo agrupamento das que andam
dispersas por varias obras é evidentemente um bom serviço, em que oxalá
me permittissem o tempo e os recursos poder cooperar melhor do que
procurarei fazel-o.



I


[Figura: Thomar, convento de Christo, na Sacristia Velha: pequena
lapide, caracteres gothicos minusculos.]



Leitura:


     --_Esta capella mandou fazer Vasco Gonçalves d(e) Almeida,
     cavalleiro, e sua mulher Mecia Lourenço, amos do Infante Dom
     Henrique, e foi feita (na) era do Salvador de  1426._--


Damião de Goes (Liv. das Linh. MS.) abre o--_Titulo dos Almeidas_--com o
seguinte:


--«Fernão d'Alvares d'Almeida foi um honrado cavalleiro em tempo delRei
Dom João o 1.^o. Foi Vedor de sua Casa, sendo elle Mestre d'Aviz, e,
depois, em sendo Rei, foi Craveiro da dita Ordem e _Ayo dos filhos do
dito Rei_.

«Houve filhos bastardos: Diogo Fernandes d'Almeida, Alvaro Fernandes
d'Almeida e Nuno Fernandes, de quem não ha geração. E houve filhas».


N'esta bastardia, é que continuou e prosperou fidalgamente o nome, logo
pelo primeiro rebento,--o Diogo,--que foi vedor da fazenda de D. João I
e. de D. Duarte, e que, segundo Goes--«casou com sete mulheres»--das
quaes o illustre chronista se limita a citar duas, apenas, se é que não
houve erro de copia na primeira conta:


«...a primeira, filha de Dona Tareja, filha de João Fernandes Andeiro,
Conde de Ourem e foi irmã, da parte da Mãe, do Arcebispo de Braga Dom
Francisco da Guerra; e della houve a Lopo d'Almeida; e a outra segunda
mulher foi filha do Prior do Crato Dom Nuno _Gonçalves_, e houve della a
Alvaro d'Almeida e Antão d'Almeida e Dona Branca d'Almeida, primeira
mulher de Ruy Gomes da Silva, _o da Chamusca_, e Dona Isabel d'Almeida,
mulher d'Alvaro de Brito, e assim houve outras filhas.»


Não terá havido anterior ligação com a familia do Prior, e não derivaria
d'ella o Vasco _Gonçalves_, da inscripção?

O que parece certo é ter elle escapado, até agora, á luz indiscreta da
Genealogia, na desolada solidão da Sacristia Velha de Thomar, com a sua
companheira, a Mecia Lourenço, que trouxe, naturalmente, aos burguezes
seios o--«Alto Infante»--das descobertas.

_Amos do Infante_ são evidentemente os que o crearam; e esta designação
abrangendo a Mecia, deve indicar a mulher que o amamentou. Bemditos
peitos!

Devo o calco d'esta inscripção ao meu amigo sr. M. H. Pinto, o distincto
artista e director da escola industrial de Thomar.



II



[Figura: Leiria, Castello, sobre a porta da Torre de Menagem: em
caracteres gothicos grosseiramente abertos sobre linhas ou _pautado_
egualmente cavado, n'uma das pedras da muralha. Inferiormente e na mesma
pedra, tres pequenos escudos, tendo o do centro as bandas ou barras de
Aragão e os dos lados as quinas, convergentes.]



Leitura:


     --_(Era) 1362 an(n)os foi esta tor(r)e co(meçad)a (aos) 8 dias de
     maio, e mandou-a fase(r o muito) nobre Dom Diniz, Rei de
     Portugal.................acabada._


Esta ultima parte, inintelligivel já, evidentemente diria a data do
acabamento: dia e mez, ou sómente o mez.


Esta inscripção, que parece ter sido feita depois de concluida a Torre,
e que é de singular importancia por fixar precisamente a construcção ou
a reconstrucção do castello por D. Diniz, tem-se conservado
desapercebida, talvez pela altura em que está e por se confundir, á
primeira vista, com as escabrosidades da pedra.

Áparte o facto dos nossos archeologos, ou dos que se dizem taes, mais se
dedicarem, geralmente, á exploração das mais banaes inscripções de
cippos romanos do que á colheita das que podem illustrar a historia
patria.

Alli mesmo, n'aquelle formoso monumento chamado o Castello de Leiria,
que bem póde dizer-se amassado com sangue, a busca das inscripções
romanas nas pedras funerarias aproveitadas nas muralhas, tem chegado a
fazer perigar a segurança das construcções, ao passo que nos restos dos
Paços do Rei Lavrador nenhuma exploração regular se tem feito.

Escusado será acrescentar que o escudo com as barras ou bandas
aragonezas é uma affirmação ou uma homenagem ao senhorio de Leiria dado
á Rainha D. Isabel, _a Santa_.

O calco d'esta inscripção, e até a denuncia d'ella, foi-me fornecido
pelo meu amigo sr. João Christino da Silva, então director e professor
da escola industrial _Domingos de Sequeira_, de Leiria.



III


[Figura: Obidos, Torre do Castello, no humbral da porta (ogival), lado
esquerdo.]



Leitura:


     --_E(ra) 1413 annos, no mez d(e) outubro, foi começada esta
     tor(r)e, p(or) mandado delrei Dom Fernando, da q(ua)l foi védor
     D(iog)o M(art)i(n)s da Tougia, e foi della m(estr)e Jo(ão)
     Do(mingue)s, e foi feita á custa do dito._


O meu amigo Sousa Viterbo lembra-me que Giner de los Rios dá esta
inscripção no seu _Portugal_; mas, pela copia que me transmitte, entendo
que o escriptor hespanhol não soube copial-a e lel-a bem. Assim, na
linha 1) tomou o _s_ final pelo algarismo 6, que nada significaria, e na
linha 2) supprimiu o _o_ na primeira palavra. Embaraçaram-n'o
naturalmente os pontos de separação, muitas vezes colocados por simples
fantasia decorativa. Trocou tambem os nomes do védor fazendo-o
representar por um caprichoso --_A.^n Mig.^n da Toura_-- e o do Mestre
por--_f.^a Doz_.

O do primeiro é claramente:--_d.^o miz_ (Diogo Martins) e apenas a
ultima designação offerece difficuldade, não podendo, porém,
ser:--_Toura_--porque está muito intelligivel no começo da linha 8) a
letra _g_. A sobreposta parece realmente _r_, o que difficultaria
extremamente a leitura; mas porventura uma irregularidade ou estrago da
pedra é que lhe dá aquella apparencia, sendo simplesmente um _i_, o que
dá a palavra--_Tougia_.

_Tougia_, _Taugia_, _Ataugia_, _Touria_, é _Atouguia da Baleia_,
povoação que não fica muito distante e que teve grande importancia no
tempo de D. Fernando e de D. Pedro I, que n'ella celebraram côrtes, e
onde, pouco antes do primeiro, senão no seu tempo, se fez ou reformou
tambem um forte castello.

O nome do vedor seria pois: Domingos Martins da Tougia ou _d'Atouguia_,
o que, como se vê, só pela interpretação de um signal ou letra
sobreposta, póde suscitar hesitação.

É a leitura que preferimos, até por não encontrarmos melhor. O nome do
mestre, e que não nos parece que offereça duvida, é _João Domingues_ ou
_Domingos_.

Devo a um cuidado desenho do meu amigo e distincto professor, o sr. João
Christino da Silva, esta inscripção, bem como a seguinte.



IV


[Figura: Obidos, na Torre do Facho.]



Leitura:


     --_Foi reformada esta muralha por Dom Sancho  primeiro._--


Evidentemente não é coeva esta inscripção, em caracteres mixtos (goth. e
red.).



V


[Figura: Thomar, igreja de Santa Maria dos Olivaes, sob o segundo arco
da nave esquerda.]



Leitura:


     --_Aqui jaz Fernã(o) de Sa(m)paio, Caval(l)eiro fidalgo, creado
     delrei dom Af(f)onso, e sua filha M(ari)a de  Sa(m)paio._--


Será Fernão Vaz de Sampaio, filho de Vasco Pires de Sampaio e de D.
Maria Pereira, da casa da Feira?

Este, fazem-n'o os genealogistas casado duas vezes, uma com D.
Senhorinha, outra com Joanna de Alvim; e alguns, uma só vez, com uma ou
com a outra d'aquellas senhoras, attribuindo-lhe varios bastardos
havidos n'uma Leonor Affonso,--«mulher solteira»--entre os quaes um Lopo
Vaz de Sampaio, que D. Affonso V legitimou em 1453.

Que o Rei Affonso de que falla a inscripção é Affonso V, não póde
duvidar-se.

O «titulo» dos Sampaios, como se diz em Genealogia, foi sempre muito
complicado por enxertos ganceiros.

O calco foi-me enviado pelo sr. M. H. Pinto



VI


[Figura: Thomar, igreja de Santa Maria dos Olivaes, do lado esquerdo da
porta de entrada (interior). Caracteres gothicos.]



Leitura:


     --_Esta sepultura é de Isabel Vieira, mulher d(e) Af(f)o(n)so de
     Vivar, Caval(lei)ro, co(n)tador da casa delrei nos(s)o s(enhor),
     q(ue), depois de seu fal(l)ecim(en)to, foi Com(m)e(n)dador das
     Alencarcas. E se finou a 18 dias de fevereiro de 1492._


Não póde haver duvida de que a inscripção, muito esmerada por signal,
diz:--«Commendador das Alencarcas». Foi-o Affonso de Vivar, ou depois do
fallecimento da mulher, ou, o que é mais provavel que a inscripção
queira dizer, depois do fallecimento do Rei, que seria então Affonso V,
se a data da morte da mulher corresponde á da abertura da inscripção.

Mas o que eram as Alencarcas?

Devo o calco ao amigo já citado e que muitas mais vezes terei de citar
ainda, o sr. M. H. Pinto.



VII


[Figura: Thomar, igreja de Santa Maria dos Olivaes, na capella mór.
Caracteres gothicos. Truncada por construcção posterior, que se lhe
encostou, dos degraus do altar.]



Leitura:


     --_Aq(ui) jaz Do(m) Gil M(ar)ti(n)s, o p(ri)meiro M(estr)e q(ue)
     foi da Caval(l)aria da Orde(m) de Jesus Christo, q(ue) foi
     f(re)irado_ (feito freire) _na Ord(e)m d(e) Avis e M(estr)e da
     Caval(l)aria des(s)a Orde(m) e foi da linhagem do Outeiro; q(ue)
     pas(s)ou_ (faleceu) _e(m) sexta feira, 13 dias (d)e nove(m)bro,
     e(ra) 1359 an(n)os (a) q(ua)l alma D(eu)s leve p(er)a a gloria do
     Paraiso. Ame(n) Co(m) e(lle) mais os(s)os sã(o?)._


Está a lapide embebida na parede do lado esquerdo, por baixo do formoso
mausoleu de D. Diogo Pinheiro, primeiro bispo do Funchal, tendo sido
para alli removidos os restos do Grão-Mestre, nas obras de renovação
feitas na igreja, no tempo de D. Manuel ou já de D. João III, segundo a
tradição.

Deviam estar anteriormente n'um caixão ou tumulo de pedra. A esses
restos se juntaram os de outros personagens, e a isto seguramente
alludia a parte truncada ou illegivel da lapide.

Não é, pois, perfeitamente exacto que se não saiba:--«o logar certo onde
estão as cinzas do primeiro Mestre de Christo»--como diz Santos (_Monum.
milit_, etc.), que, aliás, indica a remoção d'esses restos e a
inscripção que os denuncia, que melhor fôra que tivesse copiado, com as
mais.

Pertence o calco á bella colheita com que me tem brindado o sr. M. H.
Pinto.



VIII


[Figura: Thomar, igreja de Christo, junto á Charola. Caracteres rom.
maiusc. Grande lapide.]



Leitura:


     --_Aq(u)i jaz o m(ui)to (h)o(n)rado Com(m)e(n)dador Do(m) Lopo Dias
     de Sousa, Mestre da Caval(la)ria da Orde(m) de Christo, q(ue) foi
     se(m)p(r)e m(ui)to leal s(e)r(v)idor ao m(ui)to alto se(m)p(r)e
     ve(n)cedor elrei Do(m) Joã(o) o p(r)im(ei)ro, (a)o qual foi
     gra(n)de ajuda e(m) defe(n)são d'estes reinos; e e(n)trou co(m)
     el(l)e ci(n)co vezes e(m) Castel(l)a co(m) sua Caval(l)aria, e e(m)
     a tomada de Ceuta; e teve o mestrado q(u)are(n)ta e seis an(n)os. E
     finou-se na era de Jesus Christo de 1435 an(n)os, aos nove dias do
     mes de fev(erei)ro, e o m(ui)to ho(n)rado e presado s(enh)or o
     I(n)fa(n)te Do(m) (H)e(n)riq(u)e, governador da dita orde(m),
     duq(ue) de Viseu e s(enh)or de Covilha(m), o ma(n)dou tra(s)ladar a
     este co(n)ve(n)to, aos oito dias do mez de março da dita era do
     na(s)c(i)m(en)to de Nos(s)o S(enh)or de 1435 an(n)os._



Este D. Lopo Dias de Sousa é personagem bem conhecido e de quem é facil
encontrar larga noticia.

Era bisneto, pelo pae, de D. Affonso Diniz, filho de Affonso III--«e da
condessa de Bolonha D. Mathilde»--a primeira mulher d'este Rei, sendo
filho de Alvaro Rodrigues de Sousa e de D. Maria de Menezes, filha de
Martim Affonso Tello de Menezes, irmão da celebre Rainha e adultera, D.
Leonor Telles. Foi esta que o fez Mestre da Ordem, quando não tinha
edade para o ser, o que não obstou a que elle honrada e valentemente
viesse a servir a causa portugueza do Mestre de Aviz (João I) contra as
pretensões e a invasão de Castella, patrocinadas pela adultera.

Diz Goes (_Liv. das Linh. MS._):


«Dom Lopo Dias de Sousa... foi Mestre de Christo, apresentado na dita
dignidade por ElRei Dom Fernando, a requerimento da Rainha Dona Leonor
Telles, mulher do dito Rei Fernando, que era tia d'este Dom Lopo Dias,
Mestre de Christo... Teve por manceba a Dona Maria Ribeira, que em
Pombal houve dispensação do Papa para a receber por mulher, e houve
d'ella estes filhos: a Diogo Lopes de Sousa e Dona Mecia de Sousa, que
casou com Dom Vasco Fernandes Coutinho, primeiro Conde de Marialva, e
Dona Violanta, que casou com Ruy Vaz Ribeiro de Vasconcellos, Senhor de
Figueiró dos Vinhos e do Pedrogam, e Dona Isabel, mulher de Diogo Lopes
Lobo, Senhor d'Alvito, e Dona Aldonça, mulher de Pedro Gomes de Abreu _o
Velho_, e Dona Branca, mulher de João Falcão, e Dona Leonor, mulher de
Affonso Vasco de Sousa.»


Um neto d'elle, Alvaro de Sousa, filho de Diogo Lopes de Sousa,
mordomo-mór do Rei D. Duarte, foi mordomo-mór de D. Affonso V e casou
com uma filha de D. Fernando de Castro, governador da Casa do Infante D.
Henrique:--D. Maria de Castro.

Uma observação ainda: A inscripção parece corrigir a versão commum
adoptada por J. A. dos Santos, na bella monographia _Monumento das
Ordens militares_, etc., _em Thomar_, de ter Dom Lopo cahido em poder
dos castelhanos em Torres Novas, ficando inutilisado para todo o resto
da campanha.

--«Entrou cinco vezes em Castella»--diz terminantemente a pedra.

Devo o calco ao sr. M. H. Pinto, que ultimamente me mandou alguns
outros, de Figueiró, entre os quaes encontro o da inscripção que incluo
em seguida por importar á prole do mesmo personagem.



IX


[Figura: Figueiró dos Vinhos, igreja de S. João Baptista. Em caracteres
gothicos.]



Leitura:


     --_Aqui jaz o muito ho(n)rado caval(l)eiro Ruy Vasq(ue)s, filho de
     Ruy Me(n)des de Vasco(n)cel(l)os, neto de G(onçalo) Me(n)des e de
     Dona Maria Ribeira; e Dona Viola(n)te de Sousa, sua mulher, f(ilh)a
     de Do(m) Lopo Dias, M(estr)e de Christo, neta d(e) Af(fo)n(s)o Dias
     de Sousa e de Dona M(ari)a, irma(n) da rainha Dona Leonor; os quaes
     ma(n)dou s(epulta)r Rodrigo de Vasco(n)cel(l)os, seu filho
     (h)erdeiro... era de Nos(s)o S(enho)r Jesus Christo de 1453
     an(n)os._


(Vide o commento da inscripção anterior.)

Enviou-me o calco o sr. M. H. Pinto.



X


[Figura: Thomar, Convento de Christo, sobre o arco da Sacristia Velha.]



Leitura:


     --_Era MCC · VIIII magister Galdinus nobili siquidem genere Bracara
     oriundus exctitit tempore autem Alfonsi illustrissimi Portugalis
     regis. Hic secularem abnegans miliciam, in brevi ut Lucifer
     eminevit, nam Templi miles Gerosolimam peciit ibique per
     quinquenium non in hermen vitam, duxit cum Magistro enim suo cum
     Fratisbusque implerige preliis_ contra _Egipti et Surie insurrexit
     regem. Cumque Ascalona caperetur, presto eum in Antiocam pergens
     sepe_ contra _Sidan decione dimicavit. Post quinquennium vero ad
     prefatum qui et eum educaverat et militem fecerat reversus est
     regem. Factus Domus Templi Portugalis Procurator hoc distruxit
     castrum Palumbar, Thomar, Ozezar et hoc quod dicitur Almoriol et
     Eidaniam et Montem  Sanctum._--


Versão:


     --_Era de 1209. O Mestre Galdino, certamente de nobre geração,
     natural de Braga, existiu no tempo de Affonso, illustrissimo Rei de
     Portugal. Abandonando a milicia secular, em breve se elevou como um
     Astro, porquanto, soldado do Templo, dirigiu-se a Jerusalem, onde
     durante cinco annos levou vida trabalhosa. Com seu Mestre e seus
     Irmãos, entrou em muitas batalhas, movendo-se contra o Rei do
     Egypto e da Syria. Como fosse tomada Ascalona, partindo logo para
     Antiochia pelejou muitas vezes pela rendição de Sidon. Cinco annos
     passados, voltou, então, para o Rei que o creára e o fizera
     cavalleiro. Feito Procurador da casa do Templo em Portugal, fundou,
     n'este, o castello de Pombal, Thomar, Zezere e este que é chamado
     Almoriol, e Idanha e  Monsanto._--


Esta inscripção tem sido dada por diversos auctores, mas em nenhum é
rigorosamente exacta a copia. O proprio Costa (_Historia da ordem_, pg.
178, doc. 14) figurando-a toscamente em reproducção graphica, erra logo
na _era_ a leitura, dando a de 1208 pela de MCCVIIII ou 1209 que tão
nitidamente se lê na linha _1_).

Este erro generalisou-se, repetindo-o Viterbo (_Elucidario_) e
adoptando-o Pedro Ribeiro (_Dissertações_). Debalde Cunha (_Historia
ecclesiastica de Braga_), na sua traducção, soffrivelmente phantasiosa,
restituiu a _era_ exacta de 1209.

Na linha _4_) suscitou-me duvidas a leitura commum do --_hic_,--pela
fórma especial da inicial, que se encontra na linha _6_), onde parecia
repugnar-lhe o valor de--_h_--. Mas, não podendo ler-se:--_inic_--ainda
por:--_in hic_--é forçoso acceitar a leitura geral. Na mesma linha, a
palavra --_abnegans_--tem evidentemente a fórma de--_acbnegans_,--que
aliás diz o mesmo.

Na linha _5_), a leitura geral é a de--_emicuit_--por--_emievit_,--que é
positivamente a que está na pedra. Preferimos, porém, a
de--_eminevit_,--de--_emineo_,--que mais se approxima, e que não altera,
mas precisa mais o sentido. Foi-me suggerida por Gabriel Pereira esta
versão.

Na linha _6_), Costa
copiou--_petiit_--por--_peciit_,--e--_inermem_--por--_in hermen_,--que é
o que claramente lá está. Vê-se que o embaraçou tambem a fórma da
inicial acima alludida, não querendo ler n'ella o--_h_--que aliás não
duvidára ler, como tal, no--_hic_--da linha _4_). A solução parece-nos
ser a de dar áquella fórma, aqui, o valor de uma simples tremação ou
dierese do--_i_--lendo realmente:--_ïermen_--ou--_in ermam vitam_--.
Podem não ter grande importancia estas variantes, mas é sempre bom
conservar-se a fórma original em taes cousas.

Na linha _7_) onde se lê:--_cvm Magistro enim svo_,--Costa permitte-se
acrescentar um--_fuit_,--que lá não está, nem é necessario.

Mas é na linha _9_) que as pretensões correctivas do auctor da _Historia
da Ordem_, etc., tomam mais graves proporções. Assim: onde nitidamente
se lê:--_presto evm in Antiocam_,--elle simula copiar:--_presto fuit in
Antiochie_,--e logo em seguida lê:--_sepe Suldani_--em vez de--_sepe_
contra _Sidan_,--como diz a pedra, e bem. Dá assim origem ao erro que
elle, Cunha, e os mais commettem, de
traduzir--_Soldão_--por--_Sidan_,--o soldão ou sultão, não se sabe qual,
pela cidade de _Sidon_, perfeitamente conhecida.

Na linha _10_), a leitura de Costa e dos mais, embaraçou-se na
abreviatura--_vo_,--que se segue á
palavra--_quinquennium_,--claramente:--_vero_,--e achou então melhor
supprimil-a. Em seguida, reduziu a--_eum_,--a abreviatura em que entrava
um--_t_--muito bem definido, mas que o embaraçava tambem.
Restituimos--_et eum_--que é fórma conhecida.

Na linha _11_), tem-se lido sempre por--_hoc construxit_,--que é a
leitura que immediatamente occorre, de certo, a fórma ou phrase, que,
pelo rigoroso confronto dos caracteres da inscripção, não podemos ler
senão como:--_hocdstrvxit_--. A primeira duvida suscitou-nol-a
o--_hoc_,--não porque não esteja bem definido nos caracteres, mas porque
nos pareceu arrevesado ou inadequado ao sentido. É evidente, porém, que
se quiz precisar o _paiz_, o _logar_ e não o objecto ou o castello,
determinadamente, e assim traduzimos:--_Feito Procurador da Casa do
Templo, em Portugal, neste_ (i. e. aqui) _fundou_, etc. Mas porque é que
todos têem fugido a ler litteralmente:--_dstrvxit_,--que é a forma
original? Naturalmente, por entenderem que esta fórma equivaleria
necessariamente á de--_destruxit_ (de _destruo_)--dando o absurdo de ter
Galdino _destruido_ os castellos em vez de os ter construido
(_construxit_). Mas é que não lembrou que não era fatal
ler--_destruxit_,--e que, lendo-se--_distruxit_--(de _distruo_), se
obtinha a idéa contraria, ou a idéa precisa de ter o Templario portuguez
lançado, espalhado, ou construido, _aqui_, em _diversas partes_, os
fundamentos d'esses diversos castellos. E mais explicado fica
o--_hoc_,--antecedente.

Finalmente, na ultima linha, ha duas abreviaturas:--_dod. dr._--ou
talvez, por uma inversão da primeira inicial:--_qod. dr._--que
geralmente se lê, e parece bem:--_quod dicitur_--.

Tambem esta interessantissima inscripção, pela primeira vez directamente
reproduzida por calco, que me enviou o sr. Pinto, da escola industrial
de Thomar, não tem obtido até agora uma traducção regularmente exacta.
Costa e Cunha não separam as orações, nem traduzem litteralmente.

O primeiro traduz:--_sepe pergens_ contra _Sidan_ etc.--por--_e muitas
vezes venceu ao Soldam_,--o que é duplamente falso. Como já observei,
iniciou o erro de ler--_Suldani_,--onde, clara e rasoavelmente,
está:--_Sidan_--.

Cunha, que restitue a _era_ exacta de 1209, antecede-a pela
formula:--_Em nome de Christo_,--que lá não está, e acrescenta a
filiação do Rei Affonso:--_filho do Conde Dom Henrique e da Rainha Dona
Tareja_--. Não contente com isto, traduz que: _quando Escalona foi
tomada, elle foi alli prestes e prompto_;--põe Galdino em Antiochia
pelejando muitas vezes--_contra o poder do Soldão_;--augmenta a
enumeração dos castellos com o de--_Cardiga_,--supprimindo o
de--_Monsanto_,--e alonga, finalmente, a inscripção com as seguintes
palavras:--_Era 1209 annos. Mestre Gualdim, nascido em Braga, que he
cabeça de Galisa, edificou este Castello de Almorol com os freires seus
irmãos_--.

Bastam estes exemplos. Como é sabido, a inscripção está n'uma grande
lapide de marmore sobre o arco da chamada Sacristia Velha do convento de
Christo de Thomar, para onde foi transferida, do castello de Almorol,
segundo a tradição, no tempo e por ordem do Infante Dom Henrique.

É claro que não havemos de fazer, agora e aqui, a biographia de Mestre
Gualdino ou Gualdim ou Galdino Paes. N'esse ponto, é justo louvar as
diligencias e os trabalhos de Costa (_Historia da Ordem_, etc.) e de
Viterbo (_Elucidario_), que reuniram interessantissimos documentos sobre
o Templario portuguez. Segundo o primeiro, Galdino nasceu em 1118 e
morreu em 1195. Era filho de Payo Ramires e de D. Gontrade Soares, nomes
que denunciam uma origem visigoda. Pelo pae, era bisneto de Ayres
Carpinteiro que lhe trazia uma bella tradição de fidalguia authentica.

N'um velho livro de linhagens anda dispersamente registada esta
prosapia:


--«Este Ayres Carpinteiro onde (d'onde) vem os Ramirãos foi casado com
Amiana de Selharis e de Tevora e fege nella Ramiro Ayres...»


Ramiro casou com Orraca Peres, filha de Gontinha Eres e de Dom Pedro
Affonso de Doreas--«que fez Manhente,»--e o seu primogenito foi Dom Payo
Ramires. Casou Dom Payo, a primeira vez, com Dona Orraca de Caldelas de
Galiza, de quem teve o alcaide Dom Vasco Paes,--«e desque morreu esta
mulher a D. Payo Ramires casou com a irman de D. Payo Correa o _Velho_ e
fege nella o mestre D. Gualdim Paes do Templo e D. Gomes Paes de Piscos:
e este mestre D. Gualdim Paes fez Tomar e Pombal e Castelo de Almoyrol e
poboou outros muitos logares que ganhou á ordem, e foi muito forte em
armas e leixou ao Templo o que agora ha, e em Abelamar (talvez em
_alem-mar_)».

Goes, que gostâmos sempre de consultar n'estas historias, não parece ter
encontrado nos Paes, do seu tempo, pelo menos, uma genealogia muito
antiga, pois que abre o «titulo» com Payo Rodrigues que--«foi um
cavalleiro muito honrado em tempo delRei Dom Affonso o quinto, e foi
filho de Pedro Esteves, Alcaide Mór de Portel»--. São outros,
evidentemente. Tambem da semente d'elle, como dizem os geneologos, não
seria facil haver noticia, espalhada, como ficaria, clandestina ou
ganceira, pela Syria e pelo Ribatejo, nas aventuras e desmandos das
campanhas do Templario.

Segundo Cunha, nasceu o Mestre em Braga e--«n'ella se conserva ainda
hoje uma rua com o nome de D. Gualdim, em que é tradição que nasceu»--.

Corrigem outros, observando que alli fôra Procurador ou Mestre da Casa
do Templo, que lá existira,--o que é demonstrado por um documento citado
no _Elucidario_ de Viterbo,--mas que em Marecos, depois Amaraes e hoje
Amares, a 10 kilometros de Braga, é que realmente nascera o Mestre, que
fôra até o primeiro a usar e a nobilitar o titulo de Marecos, da herdade
que foi o nucleo da povoação.

Convem dizer, pois que não tem sido dito até hoje, que outro velho
codice geneologico põe uma sombra de duvida n'esta gloria da pequena
povoação minhota, dizendo, um tanto obscuramente:--«E o meestre dom
galdim paez do tempre e seu irmaão _forom naturaaes dapardar de braa_».
Mas sendo justa a hesitação na leitura indicada na compilação da
Academia (_Port. monum. hist._), não será talvez muito aventuroso
ler:--_da par de Braga_,--restituindo á antiga Marecos, o seu Templario.
E já agora avivemos o registo de um pequeno episodio que n'esta altura
nos offerece esse codice.

Uma neta do irmão de Galdino:--Dona _Estevaynha_ ou Estevaninha Paes
casou com Dom Martim Annes de Riba da Visella, neto, pela mãe, de um
grande fidalgo Dom Soeiro Mendes o Gordo que a tivera de uma barregan e
que fazendo-a herdeira--«mui bem e mui compridamente em seus beens»--a
casára com Dom João Fernandes de Riba da Vizella.

Diz então o codice:--«E este meestre dom galdim paaez do tempre fez
muyto bem e deu grandalgo a este dom Martim Annes de riba davizela
quando casou com esta dona steuaynha paaz sobredita».

Martim Annes foi--«mui priuado delRei dom afonso de portugal, filho
delRei dom sancho o uelho».

Por ordem do Rei foi cercar a irmã d'este, a Infanta Dona Thereza, a
Montemór o Velho, e derrotado, cahiu n'um paul entre aquella villa e
Coimbra. Quando lhe acudiram:--«non se pode sofrer que non morese do
sangui que del tirarom as çameçugas».

Dá, ainda, uma tradição constante, e parece confirmar a inscripção de
Thomar, que Galdino fôra creado na côrte do primeiro Rei portuguez, e
por elle armado cavalleiro na batalha de Ourique, em 1139. É sómente dez
ou mais annos depois d'esta data, que nos apparece nos documentos, e já
como Templario graduado, consequentemente depois do seu regresso do
Oriente.

Segundo Cunha e os diplomas reunidos por elle, seria, até, sómente na
era de 1199, correspondente ao anno de 1161, que pela primeira vez nos
appareceria como Mestre, na doação que lhe faz o Rei:--_tibi Magistro
Gualdino_,--de certas herdades cultivadas e por cultivar junto de
Cintra; mas Santa Rosa de Viterbo (_Elucidario_) encontra-o muito antes,
em 1148, figurando como _Mestre_ da Casa Templaria de Braga, n'uma
concordata feita com esta, e em 1157 como _Mestre_ absoluto ou Geral dos
Templarios em Portugal, succedendo a Dom Pedro Arnaldo, que abdicou
n'esse anno e morreu no seguinte. Terá Viterbo lido bem aquella primeira
data? A interrogação parecera impertinente em relação ao erudito
investigador, se um facto muito positivo a não auctorisasse. Esse facto
é a tomada de Ascalonia, expressamente indicada na inscripção. Essa
tomada, é claro que não foi a de Saladino aos christãos, que só se
realisou em 1187. Foi a dos christãos aos turcos. Estava lá, então,
Galdino; isto é, estava no Oriente em 1153, que é a data d'esta
conquista. (Michaud, _Hist. des Croisades_, t. II.)

Estava, e demorou-se ainda. Estando em 1157 em Portugal, e sendo feito,
então, Mestre geral dos Templarios Portuguezes, partiria em 1152, ou
pouco antes, mas já partiria, então, como templario graduado, se é
verdadeira a data de 1148, attribuida por Viterbo á concordata de Braga,
o que, de resto, não repugna inteiramente á inscripção.

Inclinamo-nos a crer que foi realmente em 1157 que Galdino voltou, sendo
então elevado ao cargo de Mestre geral, ou, como a inscripção diz:--de
Procurador do Templo, em todo o Portugal, tendo partido, como simples
Mestre da Casa de Braga, em 1152, ou pouco antes.

Dos castellos alludidos na inscripção, dois,--o de Idanha e o de
Monsanto,--são-lhe doados em 29 de novembro da era de 1203 (1165),
chamando-se-lhe tambem Mestre:--_vobis Magistro Gualdino_--.

A ideia vulgar da hierarchia monastico-militar póde parecer
extraordinario que elle seja designado simplesmente como _Procurador_,
em outubro da era de 1207 (1169), quando lhe são doados, e á Ordem, os
castellos de Zezere, de Thomar, e ainda o de Cardiga--«com todas as
herdades que alli fizeste e rompeste»--devendo notar-se que n'esse mesmo
anno como tal se apellida tambem, na doação:--«de toda a terça parte que
pela graça de Deus poderem adquirir e povoar desde o rio Tejo por
deante--»para o sul, é claro, aos--«cavalleiros chamados do Templo de
Salomão»--nas pessoas dos de Portugal e de--_vobis Fratri Gualdino in
Portugalia rerum Templi Procuratori_--.

Mas esta qualidade de _Procurator_, referida á gerencia regional ou
provincial dos diversos agrupamentos da Ordem, não era inferior, e muito
menos incompativel, com a categoria de _Magister_, a bem dizer a de
Superior de cada Casa ou Commenda, com tendencias para substituir
aquella pela separação das diversas communidades nacionaes.

Não foi Galdino o unico _cruzado_ portuguez; mas é dos raros cujos nomes
se apuram. Se das suas façanhas no Oriente resa sómente a inscripção,
outros e diversos documentos a corroboram brilhantemente na historia
patria.



XI


[Figura: Claustro da sé de Lisboa.]



Leitura:


     --_Esta sepultura é de dona (?) Ignez Eannes, sobrinha de Vicente
     Domingues Bolhão_.


Tem um certo interesse de occasião esta inscripção modestissima, agora
que vae celebrar-se o centenario de Santo Antonio de Padua, mais
propriamente: de Lisboa. _Bolhões_ eram a familia d'elle. Vicente Bulhão
se chamou o avô, ou, melhor, Vicente Martins _dito o Bulhão_, o que
devia desconcertar um pouco os genealogistas, no esforço de engrandecer
e nobilitar a alcunha que se tornou patronymico:--_Vicenti Martinii
dicti Bulhon_,--segundo a nota obituaria que elles encontraram--«no
livro de mão da Kalenda da Sé antiga de Lisboa».

D'este Vicente, veiu Martim Bulhão,--_Martinus Bulhon_, resava a mesma
nota,--que, desposando Theresa Taveira, teve os seguintes filhos:

--Pedro Martins de Bulhão, do qual, nota semelhante á citada, dizia:--_6
nonas julii obiit Petrus Martinii dictus de Bulhon_,--tendo vivido na
primeira metade do seculo XIII; d'elle procedeu um personagem
relativamente illustre, o confessor da Rainha Santa, capellão de Dom
Diniz e lente de theologia da Universidade: Dom Domingos Martins, conego
de Santa Cruz.

--Fernão Martins de Bulhão, o nosso futuro Santo Antonio;

--Vicente Martins de Bulhão;

--Feliciana Martins Taveira;

--Maria Martins Taveira, freira, que morreu tambem com ares de
santidade, em 18 de fevereiro de 1240.

Mas é claro que o Vicente da inscripção não é nem o primeiro nem o
segundo. É, porém, da familia, neto de um ou bisneto do outro, segundo
Monterroyo.

Teve duas irmãs Vicente Domingues, que casaram fidalgamente: uma, Dona
Sancha Martins Bulhão, com Dom Soeiro Fernandes Alam, que viveu no tempo
de Dom Affonso III e Dom Diniz, e com o qual se orgulham os Soares de
Albergaria; a outra, Dona Dordia, que foi mulher de Pedro Martins
Botelho, de Riba de Vizella, e depois de Reymondo,--como quem diz
Raymundo,--de Portocarrero.

Mas nenhuma d'estas senhoras parece ter-nos dado a Ignez da inscripção,
cuja paternidade modestamente se escondeu na prosapia do tio, especie de
conservador ou agente official dos negocios das colonias extrangeiras em
Lisboa.

Uma Ignez se encontra, proximamente, na familia; mas é Ignez Dias
Bulhão, procedente da geração da Dona Dordia, e que Dona Leonor Telles,
a rainha bigama, considerava sua parente.

Temos, pois, de nos contentar com o facto do tio nos authenticar a
antiguidade da inscripção, que obsequiosamente nos forneceu o estudioso
e dedicado secretario da _Arte Portugueza_, sr. D. José Pessanha.



XII


[Figura: Thomar. Igreja de Santa Maria dos Olivaes, na parede da segunda
capella, á direita.]



Leitura:


     --_Obiit frater gvaldinvs magister militum templi portugalie E.
     MCCXXXIII, III.^o idvs octobris. Hic castrvm Tomaris cum multis
     aliis popvlauit. Requiescat in pace. Amen._


Versão:


     --_Morreu Frei Galdino, Mestre dos Cavalleiros do Templo em
     Portugal, na era de 1233, terceiro dos idos de outubro. Este
     castello de Thomar, com muitos outros, povoou. Descance em paz.
     Amen._


No movimento, um pouco desordenado, diga-se de passagem, das celebrações
apotheosicas, centenaes ou não, que ultimamente se tem manifestado entre
nós, pensaram alguns cavalheiros de Thomar em promover uma que
attrahisse as attenções e a concorrencia de forasteiros á formosa cidade
do Nabão, bem digna realmente de ser mais conhecida e visitada. Tiveram,
então, a feliz idéa de tomar por thema o nome e a memoria do valente
Templario portuguez, Galdino Paes, tão deploravelmente esquecido tambem,
e de quem póde dizer-se que foi, alem de fundador de Thomar, um dos mais
intrepidos e persistentes cooperadores da fundação de Portugal.

Sob aquella idéa se reanimou o empenho do meu amigo e distincto
director-professor da Escola Industrial d'aquella cidade, sr. Manuel
Henrique Pinto, de encontrar a jazida dos restos do glorioso Templario.
Aproveito a occasião para dizer, com reconhecimento, que o sr. Pinto tem
sido o meu mais dedicado e caloroso auxiliar n'esta colheita de _calcos_
de inscripções portuguezas. Honra lhe seja, que n'isso não é a mim, mas
á Historia e ao paiz, que presta um bello serviço.

Obtendo licença para sondar as paredes d'aquella interessantissima e
vetusta igreja de Santa Maria do Olival ou dos Olivaes, que por si dava
assumpto para uma soberba monographia sobre a historia da architectura
nacional, o sr. Pinto, com dois amigos egualmente interessados n'esta
pesquiza, começou-a e teve a fortuna de, ás primeiras tentativas,
encontrar a pedra (naturalmente um dos lados do sarcophago), em que
está, nitida e graciosamente cavada a inscripção de que tirou e me
enviou o magnifico _calco_, em poucos minutos reproduzido pelo lapis
primoroso e firme de Casanova. Como se vê, a inscripção não offerece
hesitações ou duvidas de leitura ou de contemporaneidade, esta ultima
perfeitamente flagrante, para quem conhece a epigraphia tumular do
tempo, com as suas cruzes espalmadas (_pattées_) iniciaes, com as
maiusculas oscillando entre o romano e o gothico, com o seu _pautado_,
até com a sua redacção dos velhos obituarios e livros de calendas,
monasticos. Lê-se ao primeiro relance. Que o til ou plica que ornamenta
um dos XX da _era_, não suggira reparo. Tem o mesmo valor que os do _e_
(era), do _m_ (mil) ou dos _cc_ (duzentos): isto é, nenhum tem. O
Viterbo do _Elucidario_ já advertiu esta especie de mau habito
decorativo, inconsciente.

A _era_ é indiscutivelmente a de 1233, correspondente ao anno de Christo
de 1195. Sempre se lucrou, com a idéa do centenario, ficarmos
definitivamente sabendo que o grande Templario morrêra em 1195, a 13 de
outubro. Teria então setenta e sete annos, se tambem acertou Costa
(_Hist. da Ord._), quando o dá nascido em 1118. Cedo fizera Galdino a
sua iniciação de Cavalleiro do Templo nas longinquas campanhas da Syria;
mas, por mais cedo que n'aquelles tempos se fosse homem, é claro que
andam erradas algumas datas das suas doações e fundações. Apparecer-nos
elle como Mestre,--_tibi Magistro Gualdino_,--em 1161, isto é, aos
quarenta e tres annos, na doação das casas e herdades cultivadas e por
cultivar junto de Cintra, não repugna, comtudo.

Em 1169, isto é, aos cincoenta e um, é que recebe toda a terça parte que
podér adquirir e povoar desde o Tejo por deante, em doação «a Deus e aos
cavalleiros chamados do Templo de Salomão», como Procurador d'elle em
Portugal:--«_vobis Fratri Galdino in Portugal rerum Templi
Procuratori_»,--e mais os castellos da foz do Zezere, de Cardiga, e o de
Thomar, com todas as herdades--«que fizestes e rompestes». Já
anteriormente, em 1165, lhe haviam sido doados,--_vobis magistro
Gualdino_,--e á Ordem, os castellos de Idanha e de Monsanto, e antes
ainda, seguramente,--«aquelle castello que se chama Ceras»--e a Redinha.
Rigorosamente, estas doações não eram mais que as confirmações reaes das
fundações, das conquistas e das explorações agricolas, com que o activo
Templario e os seus freires iam acrescentando e consolidando, dia a dia,
a patria christã e portugueza.



XIII


[Figura: Portalegre; Convento de S. Bernardo (seminario), na casa do
capitulo (arruinada). Lapide de marmore, com a figura de uma abbadessa
esculpida e em volta a inscripção.]



Leitura:


     --_Aqui jaz Dona Branca de Vasconcellos, a primeira abbadessa que
     foi d'este mosteiro, a qual ensinou as mo(n)jas d'elle, do começo
     de suas profissões. E falleceu aos 23 dias do mez de outubro de
     1537._


Seria uma das filhas de João Rodrigues Ribeiro de Vasconcellos?

Diz Goes:


--João Roiz Ribeiro de Vasconcellos, filho d'este Ruy Vaz, foi senhor da
Casa de seu pae, e foi casado com _Dona Branca_ de Meneses, filha de Ruy
Gonçalves da Silva, Alcaide Môr de Campo Maior e Ouguella, de quem
houve... «_e outras que são freiras_».





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